1992 - a via gangsta

Authors

  • Fabio Candotti

DOI:

https://doi.org/10.46269/1112.441

Abstract

Corria o ano de 1992 em Atlanta, quando um recém-famoso rapper foi convidado para discursar num banquete organizado pelo Malcolm X Grassroots Movement, que já era então um dos mais importantes movimentos negros existentes nos EUA. O rapper é apresentado por um
ilustre membro desse movimento, Watani Tyehimba, como “uma pessoa muito querida para mim, uma pessoa que é um revolucionário da segunda geração”. Watani – que logo se tornaria seu braço direito – o conhecia desde criança. Havia lutado ao lado de sua família junto ao Black Panthers Party for Self Defense nos anos 1960 e 70. Havia, por isso, acompanhado
seu crescimento. Sabia que sua mãe, Afeni Shakur, havia sido presa duas vezes e passado quase toda a gravidez na prisão, de onde saiu para ser perseguida pelo resto da vida, para ter suas menores lutas esmagadas, para não conseguir emprego em lugar algum e ser obrigada a migrar de tempos em tempos, para passar fome e se viciar em crack. Sabia que seu pai de sangue os havia abandonado e que seus tios e padrastos haviam sido todos presos ou mortos. Sabia ainda que, apesar de todas as desgraças, sua educação havia honrado seu nome (uma homenagem a dois chefes indígenas andinos), que havia sido criado como um verdadeiro black prince e que nos anos 1980 ocupara a posição de chairperson da organização juvenil New Afrikan Panthers. Acima de tudo, Watani sabia aquilo que todos ali sabiam: que aos 21 anos de idade, além de ter vendido algumas centenas de milhares de cópias do primeiro álbum, de ter lançado um videoclipe visto em todos os EUA que conta a história de Brenda, uma jovem mãe solteira 3 , esse rapper havia conquistado muito rapidamente um imenso respeito nas ruas dos guetos, principalmente em Los Angeles, cidade que naquele mesmo ano – e pela segunda vez em menos de trinta anos – fora o palco de mais uma revolta popular que mobilizou a Defesa Nacional e resultara em cerca de 25 mil presos 4 . Carregado por essa memória dupla, dos movimentos sociais e das ruas, Tupac Amaru Shakur, o rapper, não sabe bem onde se posicionar, não sabe bem quando dizer “nós” e “vocês” ou “nós” e “eles”. Parece, entretanto, saber com bastante certeza que aquilo que aquele público precisava ouvir naquele momento dizia respeito justamente a essa dificuldade.

Published

2020-05-03

Issue

Section

Ensaio